CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2023; 58(04): e617-e624
DOI: 10.1055/s-0043-1772241
Artigo Original
Ombro e Cotovelo

Mensuração de simetria clavicular em indivíduos saudáveis utilizando-se de banco de dados tomográficos de hospitais públicos[*]

Artikel in mehreren Sprachen: português | English
1   Residente do Terceiro Ano de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Universitário Evangélico Mackenzie, Curitiba, PR, Brasil
,
2   Médico Ortopedista e Traumatologista do Grupo de Cirurgia de Ombro e Cotovelo do Setor de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Universitário Evangélico Mackenzie, Curitiba, PR, Brasil
,
2   Médico Ortopedista e Traumatologista do Grupo de Cirurgia de Ombro e Cotovelo do Setor de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Universitário Evangélico Mackenzie, Curitiba, PR, Brasil
,
3   Aluno do Programa de Pós-Graduação em Bioestatística, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR, Brasil
,
4   Estatístico, Departamento de Estatística, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
,
1   Residente do Terceiro Ano de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Universitário Evangélico Mackenzie, Curitiba, PR, Brasil
› Institutsangaben
Suporte Financeiro A presente pesquisa não recebeu nenhum financiamento específico de agências de financiamento dos setores público, comercial ou sem fins lucrativos.
 

Resumo

Objetivo Realizar avaliação imagiológica com intuito de comprovar a existência ou não de simetria entre as clavículas de indivíduos saudáveis da cidade de Curitiba/PR, aliada à identificação de possíveis fatores de influência no comprimento clavicular.

Método Foram analisadas tomografias computadorizadas de tórax de 211 pacientes sem fratura ou malformações na clavícula (100 mulheres e 111 homens). A maior diagonal clavicular foi medida em ambos os lados e o software gerou automaticamente a máxima distância em milímetros. Foram utilizadas frequências relativas e absolutas para descrever variáveis qualitativas e a média e intervalo de 95% de confiança para as quantitativas. As comparações foram feitas com o teste t de Student e correlações calculadas pelo coeficiente de correlação de Pearson. O nível de significância adotado foi de 5%.

Resultados Verificou-se diferença significativa entre o comprimento das clavículas (direita 143.58mm e esquerda 145.72mm, p = 0.037), indicando assimetria. Em média, o lado esquerdo é 3.71mm maior. A assimetria foi significativa tanto para homens quanto para mulheres (p < 0.001). A diferença média foi de 4.13mm para homens e 3.23mm para mulheres. 73% da amostra apresentou <5mm de diferença, enquanto 23.7% apresentou 5-10mm e 3.3% apresentou >10mm de assimetria.

Conclusão Não foi possível encontrar simetria nas clavículas da população de Curitiba/PR. Em média, a clavícula esquerda é maior que a direita, com diferenças de 3.71mm na amostra geral, 3.23mm para mulheres e 4.13mm para homens. O único fator significativo foi o sexo, com homens tendo maiores comprimentos claviculares e maiores diferenças em comparação às mulheres.


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Introdução

A clavícula é o único osso longo do corpo humano horizontalmente orientado. Sua morfologia tem sido analisada pela mudança de paradigma sobre seu tratamento, sendo a abordagem cirúrgica considerada o padrão ouro em fraturas com diástases que dificultem a consolidação ou desvios que comprometam a função. Em meta-análise de 2005, ao realizar revisão sistemática de 2144 fraturas, Zlowodziki et al.[1] evidenciaram uma redução de 86% do risco relativo de ocorrência de pseudoartrose quando realizada fixação primária em comparação ao tratamento conservador. Considerada uma lesão comum e com pico de ocorrência em adultos jovens e ativos, a fratura de clavícula representa aproximadamente 2,6% de todas as fraturas, tendo como região mais afetada o seu ⅓ médio em até 85% dos casos. Com relação à opção pelo tratamento cirúrgico, a literatura atual não apresenta indicações absolutas, tendo como critérios relativos o desvio entre os fragmentos ou encurtamento acima de 2cm, a presença de cominuição e/ou iminência de exposição óssea.[2]

Com relação à importância do ‘encurtamento ósseo’ para a definição de tratamento e prognóstico da lesão, a determinação do método de aferição deste desvio ainda não está padronizada. Os dois métodos mais utilizados atualmente são o de ‘Sobreposição de Fragmentos’, baseado na clavícula lesada[3] [4] e o de ‘Diferença de Comprimentos’, baseado na diferença de comprimento em relação à clavícula contralateral.[5] Em 2017, Thorsmark et al.[6] realizaram estudo comparativo destes métodos, evidenciando que a técnica mais confiável seria a de ‘Diferença de Comprimentos’, porém este mesmo trabalho evidencia como complicação pós-operatória um aumento no comprimento final do osso lesado. Os autores inferiram que o principal problema reside no conceito de que há simetria de comprimento entre clavículas de um mesmo indivíduo, indicando potenciais erros metodológicos em ambas as abordagens utilizadas.

A partir disto os autores deste trabalho propõem avaliar a possibilidade de sustentação do argumento proposto por Thorsmark et al.[6] realizando uma avaliação imagiológica com intuito de comprovar a existência ou não de simetria entre as clavículas de indivíduos saudáveis da cidade de Curitiba/PR, aliada à identificação de possíveis fatores de influência no comprimento clavicular.


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Metodologia

O estudo foi submetido à apreciação ética através da Plataforma Brasil (CAAE 60958022.8.0000.0103) e aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário Evangélico Mackenzie de acordo com as atribuições definidas na Resolução CNS n° 466 de 2012 e suas complementares em seu parecer N° 5.601.178.

Foram selecionados estudos de tomografia computadorizada (TC) de tórax alocados no sistema informatizado de visualização de imagens de hospitais públicos entre janeiro e dezembro de 2020, realizado download dos arquivos DICOM para medição clavicular e alocação em base de dados adotando protocolo de anonimização dos dados. O processo de coleta teve como critério de inclusão todos os exames que abrangiam as clavículas em sua totalidade, sendo possível evidenciar ambas as superfícies articulares lateral e medial e como exclusão todos os exames que apresentassem qualquer indício de malformação, fraturas e/ou procedimentos cirúrgicos nesta topografia, resultando em um total de 250 indivíduos. Após separação inicial, uma revisão foi feita a fim de encontrar erros de coleta, resultando em uma amostra de 211 indivíduos (111 masculino / 100 feminino).

O método de medição adotado teve como base o software de visualização de imagens DICOM Arya / PACS Aurora (©Pixeon, 2022) em sua versão 20.11.0. Utilizando-se da ferramenta ‘Régua 3D’, o Examinador determinou a maior diagonal da clavícula de cada indivíduo pela demarcação de pontos pré-estabelecidos como o ponto médio da face articular da clavícula em relação à articulação acromioclavicular (1) e o ponto médio da face articular da clavícula em relação à articulação esterno-clavicular (2) para cada lado em cortes axiais de TC de tórax. Através do processamento destes pontos, o software gera automaticamente a distância em milímetros (mm) bilateralmente ([Fig. 1]).

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Fig. 1 Demonstração do software DICOM Arya / PACS Aurora (©Pixeon, 2022) utilizado e do método de aferição do comprimento clavicular com a ferramenta ‘Régua 3D’. No quadro superior, identificado o ponto médio da face articular da clavícula em relação à articulação acromioclavicular (Ponto 1) e no quadro inferior identificado o ponto médio da face articular da clavícula em relação à articulação esterno-clavicular (Ponto 2).

Para definição da diferença de comprimento (DC) entre as clavículas, determinou-se a subtração entre o valor da clavícula direita (CD) pelo valor da esquerda (CE), culminando na fórmula DC = CD – CE.

Com a aplicação desta fórmula define-se que uma diferença maior que zero (positiva) de comprimento demonstra assimetria clavicular com a clavícula direita maior que a esquerda e uma diferença menor que zero (negativa) indica o contrário. Esta variável que considera o valor com sua positividade/negatividade foi denominada de ‘diferença normal’ nas análises a seguir, sendo útil somente para a determinação de lateralidade da assimetria, caso presente. A fim de avaliarmos a real assimetria foi criada a variável quantitativa ‘diferença absoluta’, a qual não leva em consideração a positividade/negatividade do número, somente seu valor.

As análises a seguir foram realizadas utilizando o software R (©The R Foundation, 2022). Para a descrição das variáveis qualitativas (sexo) foram utilizadas frequências relativas e absolutas enquanto, para quantitativas (idade, medida da clavícula, diferença entre medidas e diferença absoluta entre medidas), foram utilizados média e intervalos de 95% de confiança. Comparações foram realizadas por meio do teste t de Student para as variáveis quantitativas. Correlações para a variável idade foram calculadas através do coeficiente de correlação de Pearson.

O nível de significância de 5% foi considerado para todas as análises realizadas.

Foram realizadas comparações das medidas entre os dois lados de um mesmo indivíduo utilizando o teste t de Student para amostras pareadas e comparações entre os sexos foram realizadas pelo teste t de Student para amostras independentes.

Para o ajuste do modelo foram considerados os fatores idade e sexo como variáveis explicativas para a medida da clavícula além da criação de um identificador para sinalizar se a medida da clavícula é referente ao lado esquerdo ou direito.


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Resultados

Análise Descritiva e Comparativa

Avaliando os dados adquiridos pode-se afirmar que, desconsiderando o sexo, os indivíduos da amostra possuem comprimento médio de 143.58mm para a clavícula direita e 145.72mm para a esquerda. Considerando a diferença média de comprimento, provou-se que também são estatisticamente significativas (p < 0.001 em ambos os casos).

A diferença ‘normal’ encontrada menor que zero (-2.15), indica que, na média, os indivíduos avaliados nesta amostra possuem a clavícula do lado esquerdo maior que a do lado direito, sendo a diferença ‘absoluta’ encontrada indicativa de que há, na média, 3.71mm de diferença entre as clavículas de indivíduos saudáveis quando desconsiderado o fator sexo.

Ao ser levada em consideração a diferenciação entre os sexos, observamos que tanto indivíduos do sexo feminino quanto masculino apresentaram diferença ‘normal’ negativa entre as clavículas (♀ = -1.63 / ♂ = -2.61), indicando que em ambos os sexos a clavícula esquerda é maior que a direita, sendo a diferença média ‘absoluta’ encontrada de 3.23mm para mulheres e 4.13mm para homens (p < 0.001).

Por fim, ao agruparmos os indivíduos de acordo com a quantidade (em milímetros) de diferença absoluta entre as clavículas, é possível inferir que a maioria dos indivíduos (73%) apresenta menos de 5mm de diferença entre ambas as clavículas, porém ressaltamos que 27% da amostra avaliada apresenta diferença absoluta acima de 5mm, com 3.3% apresentando diferença acima de 10mm ([Tabela 1]).

Tabela 1

Variáveis

Observações

Proporção

Média (IC 95%)

p-Valor

SEXO

FEMININO

100

47.4%

MASCULINO

111

52.6%

IDADE

211

100.0%

54 (17;91)

MEDIDA DA CLAVÍCULA

DIREITA

211

50.0%

143.58 (123.40;163.76)

0.037

ESQUERDA

50.0%

145.72 (124.59;166.86)

SEXO FEMININO

DIREITA

100

50.0%

136.77 (122.62;150.93)

0.116

ESQUERDA

50.0%

138.40 (124.03;152.77)

SEXO MASCULINO

DIREITA

111

50.0%

149.71 (132.69;166.73)

0.029

ESQUERDA

50.0%

152.32 (134.70;169.95)

DIFERENÇA ENTRE MEDIDAS DAS CLAVÍCULAS

GERAL

211

100.0%

-2.15(-2.54 ; -1.75)

<0.001

SEXO FEMININO

47.4%

-1.63(-2.15 ; -1.10)

0.013

SEXO MASCULINO

52.6%

-2.61(-3.20 ; -2.03)

DIFERENÇA ABSOLUTA ENTRE MEDIDAS DAS CLAVÍCULAS

GERAL

211

100.0%

3.71 (3.44;3.97)

<0.001

SEXO FEMININO

47.4%

3.23 (2.89;3.58)

<0.001

SEXO MASCULINO

52.6%

4.13 (3.74;4.53)

AGRUPAMENTOS DE DIFERENÇA ABSOLUTA ENTRE AS MEDIDAS DAS CLAVÍCULAS

< 5MM

154

73.0%

5MM – 10MM

50

23.7%

> 10MM

7

3.3%


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Correlações

Os coeficientes de correlação de Pearson entre a variável idade e as medidas das clavículas esquerda e direita foram calculados separadamente tanto para cada um dos sexos quanto desconsiderando a separação entre eles. Não houve significância para os valores de correlação calculados, indicando que não foi encontrada associação entre a idade dos pacientes e as medidas das clavículas ([Tabela 2]).

Tabela 2

Medida (Clavícula Direita)

Medida (Clavícula Esquerda)

IDADE

-0.009 (p = 0.895)

-0.019 (p = 0.787)

IDADE (Sexo Feminino)

-0.119 (p = 0.239)

-0.058 (p = 0.567)

IDADE (Sexo Masculino)

0.024 (p = 0.800)

0.017 (p = 0.863)


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Análise e Ajuste do Modelo

Pela análise descritiva podemos observar que há diferença entre as medidas das clavículas do lado esquerdo e direito, que o lado esquerdo da clavícula dos indivíduos medidos tende a ser maior e que os valores extremos para as medidas do lado esquerdo podem ser maiores do que as medidas para o lado Direito ([Fig. 2]).

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Fig. 2 Boxplot demonstrando a variação das medidas claviculares tendo como referência o lado direito ou esquerdo, indicando um maior comprimento da clavícula esquerda em comparação à contralateral.

Também foi possível perceber que, ao observarmos o tamanho das clavículas em relação ao sexo, indivíduos do Sexo Masculino tiveram maiores medidas absolutas de comprimento que indivíduos do sexo feminino ([Fig. 3]).

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Fig. 3 Boxplot demonstrando a variação das medidas claviculares tendo como referência o sexo, indicando os maiores comprimentos claviculares para o sexo masculino em comparação ao feminino e a manutenção da clavícula esquerda com maiores dimensões em comparação à direita.

Além disso, observa-se que há dispersão entre os valores medidos para clavículas esquerda e direita em indivíduos de todas as faixas etárias descritas, sem indicação de associação entre as variáveis ([Fig. 4]).

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Fig. 4 Scatterplot evidenciando a dispersão dos dados que indica a não-associação entre idade e comprimento clavicular.

Com relação ao ajuste do modelo, dado o efeito estimado para a variável indicadora de lado, foi estimado um aumento de 2.15mm no tamanho médio da clavícula quando esta é do lado esquerdo, em relação ao lado direito. Com relação ao fator sexo, é possível inferir um acréscimo de 13.43mm na média da medida da clavícula caso o indivíduo seja do sexo masculino em comparação ao feminino ([Tabela 3]).

Tabela 3

EFEITOS FIXOS

Parâmetros

Coeficientes

IC (95%)

p-Valor

Intercepto

137.049

(133.616;140.482)

<0.001

Clavícula (Esquerda)

2.145

(1.585;2.706)

<0.001

Idade

-0.100

(-0.066;0.046)

0.730

Sexo (Masculino)

13.432

(11.288;15.756)

<0.001

O efeito de idade estimado implica que, apesar de haver uma diferença de comprimento média de -0.1mm (redução de 0.1mm) a cada ano, esta diferença não apresentou efeito estatisticamente significante.

Abaixo, podemos observar o comportamento dos valores preditos pelo modelo, os quais foram ajustados tanto para as covariáveis observadas, quanto para as medidas observadas das clavículas. O comportamento sem grandes fugas da diagonal principal indica bom ajuste do modelo ([Fig. 5]).

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Fig. 5 Distribuição dos valores observados e preditos indicando bom ajuste do modelo realizado.

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Discussão

O encurtamento da clavícula é um dos principais critérios cirúrgicos para as fraturas e frequentemente é utilizado o tamanho da clavícula contralateral para o planejamento da abordagem.[2] Em artigo publicado em 2006, Lazarides e Zafiropoulos[5] afirmam que, após avaliarem 132 pacientes submetidos a tratamento conservador de fratura de clavícula, encurtamentos decorrentes de consolidação sem intervenção acima de 14 milímetros para mulheres e 18 milímetros para homens apresentam evolução desfavorável e insatisfação com o resultado final.

Com isso, ressalta-se a importância da aplicação de um método que consiga maximizar os resultados satisfatórios para esta lesão. Para tanto, é importante que seja possível inferir a presença ou não de simetria clavicular em indivíduos saudáveis a fim de que seja admissível afirmar que este dado pode ser utilizado com segurança para a definição de tratamento a ser proposto.

Em estudo publicado por Hoogervorst et al.,[7] os autores utilizaram metodologia equivalente à utilizada no trabalho atual para inferir a existência de simetria clavicular. Neste trabalho, uma amostra populacional de 100 indivíduos (42% masculino / 58% feminino) foi avaliada, observando que há diferença significativa entre os tamanhos das clavículas com média de diferença de comprimentos de 0.88mm (-2.47mm – +4.48mm). Os autores selecionaram pacientes com uma média de idade de 55,5 anos e constataram que a clavícula direita é, na média, 1.79mm menor que a contralateral, com média de diferença absoluta entre os comprimentos de 3.74mm. 30% da amostra avaliada apresentou pelo menos 5 mm de diferença absoluta entre as clavículas (28% entre 5-10mm e 2% >10mm) e o fator sexo é determinante para o tamanho absoluto das clavículas, sendo que os homens apresentaram os maiores comprimentos ósseos no estudo.

Outra pesquisa apresentando equivalente intenção foi realizada em 2013 por Cunningham et al.,[8] na qual 102 indivíduos (39.2% masculino e 60.8% feminino) com média de idade de 53.6 anos foram avaliados.

Este estudo também apresentou semelhantes resultados, com média de 4.25 ± 3,8mm de diferença de comprimento. Os autores evidenciaram que 71.5% dos indivíduos avaliados tinham discrepância <5mm, 21.5% entre 5-10mm e 7% >10mm, perfazendo 28.5% da amostra com variação de comprimento >5mm.

Diferentemente do apresentado no estudo anterior e nos resultados da avaliação da população brasileira, Cunningham et al.[8] não encontraram relação estatisticamente significativa entre o sexo do paciente e o comprimento clavicular.

Fazendo um paralelo com os resultados encontrados, é possível evidenciar equivalência estatística quando comparados os achados nacionais e os estudos relatados, mostrando que mesmo ao duplicarmos o valor da amostra (100 vs. 102 vs. 211) ainda são semelhantes os resultados. Com isso pode-se afirmar que mesmo comparando populações de diferentes continentes (Américas x Europa) ainda há equivalência, corroborando os achados. Aqui ressalta-se a importância de considerarmos a heterogeneidade populacional brasileira e a necessidade de ampliarmos este tipo de avaliação para outras regiões a fim de avaliar a existência de diferenças morfológicas decorrentes de características populacionais para que seja possível confirmar a manutenção desta semelhança.

Avaliando os resultados da literatura e comparando com os atingidos pelo estudo atual, traz-se à tona a evidência de assimetria clavicular na população brasileira equivalente com a encontrada nas populações estudadas, com diferença média entre as dimensões claviculares de 0.88 a 4.25mm, sendo a clavícula direita comparativamente menor que a esquerda em dois dos três trabalhos. Cunningham et al.[8] afirmam que há correlação significativa entre a dominância do paciente e um menor comprimento clavicular, informação que ainda carece de outros estudos para ser corroborada.

Em artigo de 2016, Sehrawat e Pathak[9] ressaltam a importância do assunto na literatura forense e evidenciam a avaliação antropométrica clavicular como ferramenta robusta para inferir o sexo de restos mortais não-identificáveis, enumerando diversos artigos avaliando o comprimento clavicular que também apresentam os mesmos resultados de assimetria apontados pela literatura ortopédica. Os autores afirmam que o determinismo desta assimetria é multifatorial, relacionando-se com fatores genéticos, desenvolvimento intra-útero, fatores hormonais, socioambientais e atividade física, porém afirmam que a assimetria decorrente de dominância ainda não é um fator que pode ser determinado de forma confiável através de avaliações forenses post-mortem.

Com isso, evidenciamos que a falta de informação sobre a dominância dos pacientes avaliados apresenta-se como limitação identificada no atual trabalho, sendo indicada a introdução deste dado em futuros estudos com a população brasileira a fim de melhor estruturarmos a possibilidade de influência desta variável.

A partir do apresentado, pode-se aventar a possibilidade de erro metodológico no algoritmo de tomada de decisão sobre o tratamento conservador vs. cirúrgico baseando-se na simetria clavicular e utilizando a diferença de comprimento como referência. Este erro poderia ser ainda maior em se tratando da população do sexo masculino, a qual apresentou as maiores médias de diferença comparativa, dificultando ainda mais a avaliação do fator ‘simetria’ como decisivo na conduta ortopédica desta lesão.

Pretende-se com este trabalho trazer base de dados para desdobramentos com relação à avaliação da simetria clavicular, seja com a utilização de amostras maiores a fim de corroboração dos resultados encontrados, ou com a avaliação de dados adicionais que possam influenciar na assimetria encontrada (como a avaliação do membro dominante realizada por Hoogervorst et al. [7])

Ao trazer para o debate estes resultados espera-se possibilitar diálogos sobre os métodos utilizados para aferição de simetria e encurtamento clavicular, além de discussões sobre a utilidade e eficácia prática de algoritmos para tratamento dos pacientes. Com isso almeja-se sempre possibilitarmos uma melhor tomada de decisões para que seja atingido o resultado final esperado de resolução desta lesão da maneira mais satisfatória possível.


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Conclusão

A partir dos resultados encontrados neste trabalho, pode-se concluir que na população Brasileira da cidade de Curitiba/PR não é possível inferir simetria anatômica entre a estrutura óssea das clavículas de um mesmo indivíduo e que a diferença média encontrada foi de 3.71mm na população geral, de 3.23mm se considerada para indivíduos do sexo feminino e de 4.13mm para o masculino. Ademais, 27% da amostra avaliada apresentou pelo menos 5mm de diferença comparativa, com 3,3% dos indivíduos apresentando discrepância maior que 10mm.

Avaliando fatores que possam contribuir para esta disparidade, a única variável encontrada com influência estatisticamente significante foi a do fator Sexo, sendo aqueles indivíduos do Sexo Masculino os que apresentaram tanto os maiores valores absolutos de comprimento clavicular quanto as maiores diferenças de comprimento em comparação ao Sexo Feminino.


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Conflito de Interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

* Trabalho desenvolvido no Departamento de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Universitário Evangélico Mackenzie, Curitiba, PR, Brasil.


  • Referências

  • 1 Zlowodzki M, Zelle BA, Cole PA, Jeray K, McKee MD. Evidence-Based Orthopaedic Trauma Working Group. Treatment of acute midshaft clavicle fractures: systematic review of 2144 fractures: on behalf of the Evidence-Based Orthopaedic Trauma Working Group. J Orthop Trauma 2005; 19 (07) 504-507
  • 2 Court-Brown CM, Heckman JD, McQueen MM, Ricci WM, Tornetta III P, McKee MD. Rockwood and Green's fractures in adults. 8th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer; 2015
  • 3 Hill JM, McGuire MH, Crosby LA. Closed treatment of displaced middle-third fractures of the clavicle gives poor results. J Bone Joint Surg Br 1997; 79 (04) 537-539
  • 4 Silva SR, Fox J, Speers M. et al. Reliability of measurements of clavicle shaft fracture shortening in adolescents. J Pediatr Orthop 2013; 33 (03) e19-e22
  • 5 Lazarides S, Zafiropoulos G. Conservative treatment of fractures at the middle third of the clavicle: the relevance of shortening and clinical outcome. J Shoulder Elbow Surg 2006; 15 (02) 191-194
  • 6 Thorsmark AH, Muhareb Udby P, Ban I, Frich LH. Bone shortening of clavicular fractures: comparison of measurement methods. BMC Musculoskelet Disord 2017; 18 (01) 537
  • 7 Hoogervorst P, Appalsamy A, Franken S, van Kampen A, Hannink G. Quantifying shortening of the fractured clavicle assuming clavicular symmetry is unreliable. Arch Orthop Trauma Surg 2018; 138 (06) 803-807
  • 8 Cunningham BP, McLaren A, Richardson M, McLemore R. Clavicular length: the assumption of symmetry. Orthopedics 2013; 36 (03) e343-e347
  • 9 Sehrawat JS, Pathak RK. Variability in anatomical features of human clavicle: Its forensic anthropological and clinical significance. Transl Res Anat 2016; 3-4: 5-14

Endereço para correspondência

Gabriel Gomes de Oliveira Ribas, MD
Rua Cap. Souza Franco, 524 - Apt. 804, Curitiba, PR
Brasil   

Publikationsverlauf

Eingereicht: 08. September 2022

Angenommen: 27. März 2023

Artikel online veröffentlicht:
30. August 2023

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  • Referências

  • 1 Zlowodzki M, Zelle BA, Cole PA, Jeray K, McKee MD. Evidence-Based Orthopaedic Trauma Working Group. Treatment of acute midshaft clavicle fractures: systematic review of 2144 fractures: on behalf of the Evidence-Based Orthopaedic Trauma Working Group. J Orthop Trauma 2005; 19 (07) 504-507
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  • 6 Thorsmark AH, Muhareb Udby P, Ban I, Frich LH. Bone shortening of clavicular fractures: comparison of measurement methods. BMC Musculoskelet Disord 2017; 18 (01) 537
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  • 8 Cunningham BP, McLaren A, Richardson M, McLemore R. Clavicular length: the assumption of symmetry. Orthopedics 2013; 36 (03) e343-e347
  • 9 Sehrawat JS, Pathak RK. Variability in anatomical features of human clavicle: Its forensic anthropological and clinical significance. Transl Res Anat 2016; 3-4: 5-14

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Fig. 1 Demonstração do software DICOM Arya / PACS Aurora (©Pixeon, 2022) utilizado e do método de aferição do comprimento clavicular com a ferramenta ‘Régua 3D’. No quadro superior, identificado o ponto médio da face articular da clavícula em relação à articulação acromioclavicular (Ponto 1) e no quadro inferior identificado o ponto médio da face articular da clavícula em relação à articulação esterno-clavicular (Ponto 2).
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Fig. 1 Demonstration of the DICOM Arya/PACS Aurora software (©Pixeon, 2022) and the method for clavicular length measuring with the '3D Ruler' tool. The upper panel identifies the midpoint of the joint face of the clavicle to the acromioclavicular joint (Point 1). The lower panel shows the midpoint of the joint face of the clavicle to the sternoclavicular joint (Point 2).
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Fig. 2 Boxplot demonstrando a variação das medidas claviculares tendo como referência o lado direito ou esquerdo, indicando um maior comprimento da clavícula esquerda em comparação à contralateral.
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Fig. 3 Boxplot demonstrando a variação das medidas claviculares tendo como referência o sexo, indicando os maiores comprimentos claviculares para o sexo masculino em comparação ao feminino e a manutenção da clavícula esquerda com maiores dimensões em comparação à direita.
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Fig. 4 Scatterplot evidenciando a dispersão dos dados que indica a não-associação entre idade e comprimento clavicular.
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Fig. 5 Distribuição dos valores observados e preditos indicando bom ajuste do modelo realizado.
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Fig. 2 Boxplot demonstrating the variation of clavicular measurements regarding the right or left side, indicating a greater length of the left clavicle compared with the contralateral one.
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Fig. 3 Boxplot showing the range of clavicular measurements per gender, indicating longer clavicles in males than females and a longer left clavicle compared with the right clavicle.
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Fig. 4 The scatterplot shows data dispersion indicating the lack of association between age and clavicular length.
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Fig. 5 The distribution of observed and predicted values reveals a good model adjustment.