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DOI: 10.1055/s-0043-1770968
Apresentação muito rara de luxação aberta do cotovelo em criança: Um caso de secção total da artéria braquial e presença de pulso distal com revisão de literatura
Article in several languages: português | EnglishResumo
A luxação aberta do cotovelo é uma emergência rara em crianças. Sua associação à lesão da artéria braquial é ainda mais rara. Relatamos o caso de uma criança atendida por secção total da artéria braquial decorrente de uma luxação aberta do cotovelo antes da ausência de sinais de isquemia do membro superior em questão. Também realizamos uma revisão da literatura, que é escassa.
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Palavras-chave
amplitude de movimento articular - artéria braquial - cotovelo - criança - pulso arterialIntrodução
As luxações da articulação do cotovelo são incomuns em crianças.[1] De todas as lesões do cotovelo em pacientes com esqueleto imaturo, Henrikson relatou que apenas cerca de 3% foram luxações.[2]
Em crianças, as lesões da artéria braquial são mais comumente descritas em fraturas supracondilares, sendo isoladas ou acompanhadas por lesão neurológica.
No entanto, há poucos dados na literatura sobre a luxação aberta do cotovelo em crianças e sua associação à secção total da artéria braquial é muito rara. Apresentamos o caso raro de uma criança atendida no serviço de urgência pediátrica por luxação aberta do cotovelo cujo exame vascular indicou a presença de pulso radial e ulnar e a exploração cirúrgica revelou a secção total da artéria braquial.
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Relato de Caso
Um menino de 9 anos de idade, sem histórico médico relevante, caiu de uma altura estimada em 4 metros nas 12 horas anteriores à internação. O menino caiu sobre o membro superior direito, o que causou deformação do cotovelo direito associada a impotência funcional total do membro superior direito, uma ferida na porção anterior do cotovelo direito e um hematoma oposto. Os pulsos ulnar e radial estavam presentes, mas fracos; o membro era quente, tinha coloração normal e a criança era hemodinamicamente estável.
A radiografia simples mostrou a luxação posterolateral do cotovelo direito sem outra fratura associada, especialmente da epitróclea ([Figs. 1] e [2]).




O paciente foi internado para exploração cirúrgica, em que foi constatado um grande hematoma anterior na parte medial do cotovelo direito. O hematoma mascarava a secção total franca da artéria braquial com trombose em sua extremidade proximal e associada à contusão do nervo mediano.
Depois da redução da luxação posterolateral do cotovelo e verificação de sua estabilidade, a artéria braquial foi submetida a reparo com a colocação de enxerto de veia safena reversa suturada com poliproleno 6/0 em duas hemissobreposições em cada extremidade. No período pós-operatório, o membro superior direito do paciente foi imobilizado com tala braquiopalmar em flexão (imagens intraoperatórias a, b, c, d, e e f).
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Discussão
Em crianças, a luxação do cotovelo é menos comum que as fraturas do cotovelo, especialmente das extremidades supracondilar,[3] condilar lateral, epitroclear, radial superior e ulnar.
Existem poucos dados na literatura sobre a lesão pós-traumática da artéria braquial por luxação do cotovelo na população pediátrica em comparação a adultos.
A variante posterior da luxação do cotovelo é de longe a mais frequente. É provocada pela transmissão de força de um impacto indireto na mão em extensão durante a queda.
Cerca de 60% dos casos são posterolaterais; as lesões raramente são divergentes ou anteriores devido ao impacto direto no cotovelo. Em casos excepcionais, são convergentes.[4]
Nas fraturas supracondilares de primeira linha, o nervo ulnar deve ser explorado à cirurgia. A exploração ou não do nervo radial, do nervo mediano e dos vasos sanguíneos deve ser decidida de acordo com os achados do exame pré-operatório.[5]
A redução aberta e a exploração do nervo lesionado não são necessariamente indicadas em lesões neurológicas no contexto de fraturas fechadas. A recuperação neurológica, independentemente do nervo acometido, de modo geral ocorre sob observação, mas pode levar 6 meses ou mais.[1]
A luxação do cotovelo pode ser isolada ou associada a outras fraturas, em especial do epicôndilo (definindo o tipo 4 de Watson-Jones), da extremidade superior do rádio, do processo coronoide e, com menor frequência, do côndilo lateral, do olécrano, do capítulo umeral e da tróclea. Essa associação de lesões foi observada em 63% dos casos relatados por Carlioz e Abols[5] e em 54% dos casos descritos por Rasool.[6]
Em crianças, a lesão de um ou mais elementos do pedículo neurovascular é vista em luxações abertas de cotovelo ou, com menor frequência, fechadas.[7]
Dependendo de sua direção, a luxação do cotovelo pode interferir no trajeto dos elementos nervosos. Nestes casos, há acometimento do nervo ulnar medialmente, do nervo mediano anteriormente e o nervo radial posterior e externamente.
Alguns autores relataram o caso de uma luxação de cotovelo em uma criança com aprisionamento do nervo mediano e paralisia do nervo ulnar após a redução.[8] Isso reforça a necessidade de um exame neurológico meticuloso e comparativo, com avaliação da função sensorial e motora de cada nervo e orientado pela direção da luxação, que é revelada pela avaliação radiológica.
O trajeto da artéria braquial é próximo à borda medial do músculo bíceps braquial. Depois, a artéria braquial, juntamente com o nervo mediano, se torna mais superficial e é recoberta pela aponeurose braquial,[9] o que explica sua exposição em luxações e fraturas.
A riqueza de vascularização colateral no cotovelo esclarece a conservação do fluxo sanguíneo e a raridade da isquemia e do sofrimento vascular do membro superior acometido, principalmente em relação à diminuição dos pulsos distais, frio, palidez, cianose e, em menor grau, edema do membro.[10]
De modo geral, principalmente nas luxações fechadas do cotovelo, a diminuição do pulso radial e/ou ulnar é secundária à compressão do eixo umeral pelo deslocamento da extremidade inferior do úmero; dessa forma, há recuperação do pulso após a redução da luxação.
Ainda assim, em caso de dúvida sobre a presença de pulsos distais ou a condição local do membro superior, há necessidade de exames clínicos repetidos e minuciosos após a redução urgente da luxação. Os autores referem o uso da oximetria de pulso, de fato uma ferramenta bastante disponível; no entanto, sua realização precisa ser esclarecida, ou seja, é preciso observar o formato da onda e não a oximetria complementada pela angiografia, de preferência a angiografia venosa, devido ao risco de trombose arterial. Na ausência de angiografia, a ultrassonografia com Doppler pode detectar a interrupção parcial ou total do fluxo arterial. Se houver a menor dúvida diante da persistência dos sinais de isquemia, a exploração cirúrgica é indicada. Este é o primeiro recurso nas luxações abertas do cotovelo.
As lesões da artéria braquial apresentam diversas nuances, desde simples contusão, espasmo, secção parcial a trombose (por retalho da íntima) e secção total. São bastante descritas em crianças com fraturas supracondilares, raramente em luxações abertas e ainda menos em luxações fechadas.[11]
Essa lesão arterial pode estar associada ao dano neurológico por contiguidade das relações anatômicas neurovasculares e depende da direção da luxação e sua gravidade ([Tabela 1]).[5] [6] [9] [10] [11] [12] [13]
Autor |
Número de casos (crianças) |
Complicações |
Resultados bons e excelentes (%) |
---|---|---|---|
Carlioz, Abols[5] |
58 |
Lesão do nervo ulnar – 2 casos |
90% |
Rassol[6] |
33 |
Lesão do nervo ulnar – 2 casos Lesão do nervo mediano – 1 caso Lesão do nervo radial – 1 caso Lesão da artéria braquial – 1 caso |
67% |
Subasi et al.[12] |
56 |
Lesão do nervo ulnar – 3 casos Lesão do nervo mediano e lesão da artéria braquial – 1 caso |
48% |
Louis et al.[13] |
1 |
Ruptura da artéria braquial – 1 caso |
Não relatados |
Hoffmann et al.[9] |
1 |
Ruptura da artéria braquial – 1 caso |
Não relatados |
Manouel et al.[10] |
1 |
Ruptura da artéria braquial – 1 caso |
Não relatados |
Brahmamdam et al.[11] |
1 |
Ruptura da artéria braquial – 1 caso |
Não relatados |
O reparo da secção da artéria braquial foi considerado em uma abordagem multidisciplinar com o cirurgião pediátrico, o cirurgião vascular e a equipe de anestesia e terapia intensiva.
O membro superior e o membro inferior foram preparados, este último para um possível enxerto venoso.
A avaliação da lesão revelou a ruptura total da artéria braquial na presença de um grande hematoma, que foi evacuado. Observou-se contusão do nervo mediano, sem perda de continuidade. Os nervos ulnar e radial estavam intactos, sem lesões tendinosas ou ligamentares óbvias.
Os nervos ulnar e radial estavam intactos, sem nenhum dano tendíneo ou ligamentar óbvio. Procedemos à redução da luxação posterior do cotovelo, que parecia estável após o procedimento.
A utilização de enxerto de veia safena reversa da coxa direita foi imprescindível devido à tensão da anastomose. Ao final da cirurgia, o paciente foi submetido à imobilização gessada.
A luxação do cotovelo associada à lesão da artéria braquial é uma emergência traumática muito rara na população pediátrica.
O exame clínico repetitivo é fundamental e deve ser complementado por ultrassonografia com Doppler arterial e/ou angiografia, sem retardar a exploração cirúrgica em caso de qualquer dúvida.
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Conflito de Interesses
Os autores não têm conflitos de interesses a declarar.
Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia Pediátrica do Hospital Universitário de Agadir, Marrocos.
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Referências
- 1 Waters PM, Skaggs DL, Flynn JM. , Eds. Rockwood and Wilkin's: fracture in children. 9th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2019: 877
- 2 Frøkjaer J, Møller BN. Biodegradable fixation of ankle fractures. Complications in a prospective study of 25 cases. Acta Orthop Scand 1992; 63 (04) 434-436
- 3 Cheng JC, Ng BK, Ying SY, Lam PK. A 10-year study of the changes in the pattern and treatment of 6,493 fractures. J Pediatr Orthop 1999; 19 (03) 344-350
- 4 Lieber J, Zundel SM, Luithle T, Fuchs J, Kirschner HJ. Acute traumatic posterior elbow dislocation in children. J Pediatr Orthop B 2012; 21 (05) 474-481
- 5 Carlioz H, Abols Y. Posterior dislocation of the elbow in children. J Pediatr Orthop 1984; 4 (01) 8-12
- 6 Rasool MN. Dislocations of the elbow in children. J Bone Joint Surg Br 2004; 86 (07) 1050-1058
- 7 Grimer RJ, Brooks S. Brachial artery damage accompanying closed posterior dislocation of the elbow. J Bone Joint Surg Br 1985; 67 (03) 378-381
- 8 Petratos DV, Stavropoulos NA, Morakis EA, Matsinos GS. Median nerve entrapment and ulnar nerve palsy following elbow dislocation in a child. J Surg Orthop Adv 2012; 21 (03) 157-161
- 9 Hofammann III KE, Moneim MS, Omer GE, Ball WS. Brachial artery disruption following closed posterior elbow dislocation in a child–assessment with intravenous digital angiography. A case report with review of the literature. Clin Orthop Relat Res 1984; ; ( (184) 145-149
- 10 Manouel M, Minkowitz B, Shimotsu G, Haq I, Feliccia J. Brachial artery laceration with closed posterior elbow dislocation in an eight year old. Clin Orthop Relat Res 1993; ; ( (296) 109-112
- 11 Brahmamdam P, Plummer M, Modrall JG, Megison SM, Clagett GP, Valentine RJ. Hand ischemia associated with elbow trauma in children. J Vasc Surg 2011; 54 (03) 773-778
- 12 Subasi M, Isik M, Bulut M, Cebesoy O, Uludag A, Karakurt L. Clinical and functional outcomes and treatment options for paediatric elbow dislocations: Experiences of three trauma centres. Injury 2015; 46 (Suppl. 02) S14-S18
- 13 Louis DS, Ricciardi JE, Spengler DM. Arterial injury: a complication of posterior elbow dislocation. A clinical and anatomical study. J Bone Joint Surg Am 1974; 56 (08) 1631-1636
Endereço para correspondência
Publication History
Received: 26 February 2022
Accepted: 07 February 2023
Article published online:
27 December 2024
© 2024. The Author(s). This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution 4.0 International License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/)
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Referências
- 1 Waters PM, Skaggs DL, Flynn JM. , Eds. Rockwood and Wilkin's: fracture in children. 9th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2019: 877
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- 3 Cheng JC, Ng BK, Ying SY, Lam PK. A 10-year study of the changes in the pattern and treatment of 6,493 fractures. J Pediatr Orthop 1999; 19 (03) 344-350
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