CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2019; 54(06): 665-672
DOI: 10.1055/s-0039-1697018
Artigo Original
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. Published by Thieme Revnter Publicações Ltda Rio de Janeiro, Brazil

Cirurgia em metástase vertebral: Proposta de modelo preditivo de morbimortalidade[*]

Artikel in mehreren Sprachen: português | English
1   Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil
2   Serviço de Ortopedia Oncológica, Hospital Erasto Gaertner, Curitiba, PR, Brasil
,
Luiz Antônio Munhoz da Cunha
1   Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil
3   Departamento de Cirurgia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil
,
Glauco José Pauka Mello
2   Serviço de Ortopedia Oncológica, Hospital Erasto Gaertner, Curitiba, PR, Brasil
,
Edmar Stieven Filho
1   Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil
3   Departamento de Cirurgia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil
,
Xavier Soler Graells
1   Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil
› Institutsangaben
Weitere Informationen

Endereço para correspondência

Pedro Reggiani Anzuatégui, MD, MSc
Rua Ari José Valle, 980, casa 16, 82030-025, Curitiba, PR
Brasil   

Publikationsverlauf

07. Juni 2018

06. August 2018

Publikationsdatum:
25. September 2019 (online)

 

Resumo

Objetivo Desenvolver um modelo preditivo de morbimortalidade pós-operatória precoce com o intuito de auxiliar na seleção dos candidatos à cirurgia para metástase vertebral.

Métodos Análise retrospectiva de pacientes consecutivos operados por doença metastática vertebral. As características pré-operatórias consideradas possivelmente prognósticas foram: sexo, idade, comorbidades, velocidade de progressão tumoral e contagem de leucócitos e linfócitos no sangue periférico. Os desfechos pós-operatórios analisados foram: mortalidade em 30 dias e em 90 dias, e presença de complicações. Um modelo preditivo foi desenvolvido a partir de fatores independentemente associados a esses três desfechos. Testou-se então o modelo estabelecido quanto à tendência de prever eventos adversos, à capacidade de discriminação e à calibração.

Resultados Um total de 205 pacientes foram operados entre 2002 e 2015. A mortalidade em 30 dias e em 90 dias e a incidência de complicações foram de 17%, 42% e 31%, respectivamente. Os fatores independentemente associados a esses três desfechos, e que constituíram o modelo preditivo, foram: presença de comorbidades, tumor primário de progressão não lenta, e linfócitos abaixo de 1.000 células/µL. A exposição a nenhum, um, dois ou três fatores definiu as categorias do modelo preditivo: baixo, moderado, alto e de extremo risco, respectivamente. Comparando-se as categorias, houve aumento progressivo na ocorrência dos desfechos, seguindo tendência linear. A capacidade de discriminação foi de 72%, 73% e 70% para mortalidade em 30 dias, em 90 dias e incidência de complicações, respectivamente. Não ocorreu falta de calibração.

Conclusão O modelo preditivo permite estimar a morbimortalidade após a cirurgia para metástase vertebral e hierarquizar os riscos em baixo, moderado, alto e extremo.


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Introdução

Por estar relacionado a uma alta incidência de complicações pós-operatórias,[1] o tratamento cirúrgico para metástase vertebral é controverso, e vem sendo debatido no ambiente acadêmico há décadas.[2] Outras formas de tratamento, como a radioterapia, têm menos efeitos adversos,[3] e se tornam cada vez mais atraentes, principalmente por se tratar de um grupo de pacientes que, frequentemente, não atinge doze meses de sobrevida.[4] O portador de doença metastática vertebral (DMV) tem em média 60 anos de idade, e um estado de saúde fragilizado por comorbidades como imunodepressão e desnutrição.[5]

Nos casos de tratamento cirúrgico da DMV, as complicações pós-operatórias ocorrem em 17-51% dos casos,[1] [6] e, muitas vezes, interferem negativamente na história natural da doença, abreviando a já curta sobrevida do paciente. Por outro lado, quando se leva em consideração a cirurgia, há evidências científicas dos benefícios desse tratamento, inclusive com resultados superiores aos da radioterapia isolada,[7] pois possibilita a descompressão intracanal direta das estruturas (ressecção da massa tumoral), e também a estabilização mecânica da coluna vertebral pela fixação cirúrgica. Esses procedimentos podem levar à manutenção/recuperação da função urinária, redução da dor, e recuperação, em alguns casos, da capacidade de deambulação.[8] [9] [10]

A antecipação de eventos adversos resultantes da cirurgia em casos de DMV e a previsão da evolução positiva ou negativa dos casos operados por meio de modelos preditivos (MPs) também originam muitas pesquisas. Vários MPs estão disponíveis na literatura, sendo que alguns ajudam na seleção de pacientes, mas a maioria tem como função principal estimar o tempo de sobrevida do paciente.[11] Os autores não encontraram na literatura atual nenhum MP que ajudasse a estimar a morbimortalidade precoce após o tratamento cirúrgico de DMV. Assim, os objetivos do presente estudo foram avaliar os parâmetros clínicos e laboratoriais que influenciam a morbimortalidade precoce após o tratamento cirúrgico da DMV e determinar, com base na análise multivariada desses parâmetros, um MP que ajude o médico assistente a estimar a morbimortalidade pós-operatória precoce em pacientes com lesões metastáticas vertebrais.


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Materiais e Métodos

Foi realizada uma análise retrospectiva de uma coorte de pacientes operados por DMV entre janeiro de 2002 e 31 de dezembro de 2015. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição onde foi realizado o estudo. Por se tratar de estudo retrospectivo, não houve necessidade de aplicação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Critérios de Inclusão

(1) Pacientes únicos e consecutivos submetidos a cirurgia aberta; e (2) presença de estudo anatomopatológico confirmando o diagnóstico de neoplasia maligna vertebral metastática.


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Critérios de Exclusão

(1) Cirurgia primária ou revisão em outra instituição; (2) dados incompletos de prontuário; e (3) perda de seguimento.


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Determinação dos fatores de risco possivelmente prognósticos

Os autores consideraram as seguintes características pré-operatórias como possíveis fatores de risco para a ocorrência dos desfechos negativos na DMV:

  1. sexo masculino;

  2. idade ≥ 70 anos;

  3. presença de pelo menos uma comorbidade da lista do [Quadro 1]. As comorbidades listadas foram obtidas pela união das comorbidades significativas propostas por Charlson et al[12] e Elixhauser et al;[13]

  4. tumor primário considerado de progressão não lenta. Adotou-se o modelo de Tomita et al,[14] em que são consideradas neoplasias de progressão lenta o câncer de mama, de próstata e de tireoide. Neste grupo, foram também considerados tumores de progressão lenta o mieloma múltiplo e o linfoma;

  5. contagem de leucócitos ≥ 13.000 células/µL no sangue periférico; e

  6. contagem de linfócitos < 1.000 células/µL no sangue periférico.

Quadro 1

• Diabetes

• Doença pulmonar crônica

• Infarto do miocárdio prévio

• Insuficiência cardíaca congestiva

• Arritmia cardíaca

• Doença da circulação pulmonar

• Doença vascular periférica

• Doença vascular cerebral

• Demência

• Insuficiência renal

• Insuficiência hepática

• Doença do tecido conjuntivo

• Coagulopatia

• Paralisia prévia

• Úlcera péptica

• Síndrome da imunodeficiência adquirida


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Possíveis Desfechos do Tratamento da Doença Metastástica Vertebral Para Elaboração de Modelo Preditivo

Para a elaboração do MP, foram considerados os seguintes desfechos:

  1. mortalidade em 30 dias de pós-operatório;

  2. mortalidade em 90 dias de pós-operatório; e

  3. incidência de pelo menos uma complicação.

Foram consideradas complicações pós-operatórias aquelas ocorridas em até 30 dias do procedimento, com base na definição da Organização Mundial da Saúde (OMS).[15] Elas foram caracterizadas e classificadas pelo método de Rampersaud et al,[16] sendo incluídas apenas as maiores, que foram agrupadas em:

  1. locais/sistêmicas; e

  2. infecciosas/não infecciosas.


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Modelo Preditivo

A comparação da frequência de ocorrência dos desfechos em indivíduos expostos e não expostos aos possíveis fatores de risco, e a análise multivariada, determinando os fatores com significância estatística e os fatores associados a todos os desfechos, permitiram a hierarquização dos riscos em baixo, moderado, alto e extremo. O MP foi testado com relação à tendência de ocorrência de eventos, à capacidade de discriminação, e à calibração.


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Análise Estatística

Variáveis contínuas foram dicotomizadas e tratadas como variáveis categóricas. Os testes de Fisher e qui-quadrado foram aplicados para a avaliação de risco. A análise da mortalidade em 30 e 90 dias de pós-operatório foi realizada de forma separada para cada ponto no tempo. O método de Kaplan-Meier foi utilizado para elaboração das curvas de sobrevida. As categorias do MP final foram comparadas quanto à tendência de ocorrência de eventos por meio do teste qui-quadrado. A capacidade de discriminação e a calibração do modelo final foram analisadas por meio da curva da característica de operação do receptor (COR) e do teste de Hosmer-Lemeshow, respectivamente. Modelos de regressão logística foram aplicados aos grupos de variáveis, desde que p < 0,05 na análise bivariada. O intervalo de confiança foi de 95% para todas as análises. Os programas de computador R (R Foundation for Statistical Computing, Viena, Áustria), versão 3.3.1, e MedCalc (MedCalc Software, Ostende, Bélgica), versão 17.6, foram utilizados para a realização dos testes estatísticos.[17] [18]


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Resultados

Pacientes

Foram operados 306 pacientes, e, após a adoção dos critérios de inclusão e exclusão, restaram 205 pacientes que compõem este estudo. Na [Tabela 1], estão apresentadas as características gerais dos pacientes estudados.

Tabela 1

Variável

n (%)

Sexo masculino

114 (55%)

Idade (anos), média ± desvio padrão

58,9 ± 13,3

Óbitos antes da alta

14 (7%)

Vivos durante a coleta dos dados

12 (6%)

Abordagem

 Cervical/cervicotorácica

11 (5%)

 Torácica

70 (34%)

 Toracolombar

71 (35%)

 Lombar/lombossacra

49 (24%)

 Múltipla

4 (2%)

Via de acesso posterior

201 (95%)

Tumor primário

 Próstata

51 (24%)

 Mama

43 (21%)

 Mieloma múltiplo

26 (13%)

 Desconhecido

20 (10%)

 Útero

12 (6%)

 Outros

53 (25%)

Comorbidades

 Diabetes

25 (12%)

 Doença pulmonar crônica

20 (10%)

 Insuficiência cardíaca

7 (3%)

 Infarto do miocárdio prévio

5 (2%)

 Arritmia cardíaca

4 (2%)

 Outras

13 (6%)


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Fatores de Risco Possivelmente Prognósticos

Um total de 114 pacientes (55%) eram do sexo masculino; 48 pacientes (23%) apresentavam idade ≥ 70 anos; 65 pacientes (32%) apresentavam 1 ou mais comorbidades; 81 pacientes (40%) eram portadores de tumores de progressão não lenta; 40 pacientes (20%) apresentavam leucócitos ≥ 13.000 células/µL (média de 9.700 células/µL); e 51 pacientes (25%) apresentavam linfócitos < 1.000 células/µL (média de 1.600 células/µL).


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Possíveis Desfechos do Tratamento da Doença Metastástica Vertebral Para a Elaboração de Modelo Preditivo

A mortalidade em 30 dias foi de 17% (n = 36), e em 90 dias, de 43% (n = 88). A incidência de complicações pós-operatórias foi de 31% (n = 64), e está apresentada na [Tabela 2].

Tabela 2

Variáveis

n (%)

Sistêmicas

 Pneumonia

14 (6,8)

 Óbito de causa desconhecida

11 (5,4)

 Hemorragia digestiva

4 (2,0)

 Insuficiência respiratória

3 (1,5)

 Insuficiência renal

2 (1,0)

 Sepse de foco urinário

1 (0,5)

 Sepse de foco desconhecido

1 (0,5)

 Outras

4 (2,0)

 Subtotal

40 (19,5)

Complicações Locais

 Infecção de ferida

20 (9,8)

 Deiscência

2 (1,0)

 Hematoma

1 (0,5)

 Piora neurológica

1 (0,5)

 Subtotal

24 (11,7)

Infecciosas

36 (17,5)

Não infecciosas

28 (13,7)

Grau III

19 (9,3)

Grau IV

45 (21,9)

Total

64 (31,2)


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Análise Estatística

As [Tabelas 3] e [4] apresentam estudo analítico de risco com relação aos possíveis fatores preditivos dos desfechos. Detectou-se que as características que se comportam como fator de risco independente para a ocorrência de complicações do tipo sistêmicas são: idade ≥ 70 anos (razão de probabilidades [RP]: 2,44; p < 0,05); tumor primário de progressão não lenta (RP: 2,54; p < 0,05); e contagem total de linfócitos < 1.000 células/µL (RP: 3,19; p < 0,01). Tumor primário de progressão não lenta é a única característica pré-operatória associada com infecção de sítio cirúrgico (RP: 2,52; p < 0,05). Idade ≥ 70 anos e tumor primário de progressão não lenta são fatores de risco independentes para complicação do tipo infecciosa (RP: 2,82; p < 0,05; e RP: 3,22; p < 0,01, respectivamente). Após análise multivariada, a mortalidade advinda de complicação está associada com idade ≥ 70 anos (RP: 3,35; p < 0,01), presença de comorbidades (RP: 2,74; p < 0,01), e contagem total de linfócitos < 1.000 células/µL (RP: 3,61; p < 0,0001). O óbito relacionado a complicações infecciosas, após análise de múltiplas variáveis, tem correlação com idade ≥ 70 anos (RP: 2,61; p < 0,05), tumor primário de progressão não lenta (RP: 2,82; p < 0,05), e contagem total de linfócitos < 1.000 células/µL (RP: 4,23; p < 0,01).

Tabela 3

Característica

n (%)

Razão de probabilidades para mortalidade em 30 dias (IC)

Razão de probabilidades para mortalidade em 90 dias (IC)

Razão de probabilidades para incidência de complicação (IC)

Sexo

 Feminino

91

Ref.

Ref.

Ref.

 Masculino

114

1,00* (0,48–2,06)

1,05* (0,60–1,83)

1,15* (0,63–2,10)

Idade (anos)

 < 70

157

Ref.

Ref.

Ref.

 ≥ 70

48

2,94*** (1,37–6,31)

2,08** (1,08–4.00)

3,13**** (1,60–6,14)

Comorbidades

 Ausente

140

Ref.

Ref.

Ref.

 Presente

65

2,60*** (1,24–5,41)

2,87**** (1,57–5,27)

2,61*** (1,40–4,88)

Tumor primário de progressão lenta

 Sim

124

Ref.

Ref.

Ref.

 Não

81

2,21** (1,07–4,59)

3,79**** (2,10–6,85)

2,48*** (1,35–4,56)

Leucócitos (µL)

 < 13.000

165

Ref.

Ref.

Ref.

 ≥ 13.000

40

1,78* (0,77–4,08)

3,17*** (1,54–6,52)

1,81* (0,88–3,74)

Linfócitos (µL)

 ≥ 1.000

154

Ref.

Ref.

Ref.

 < 1.000

51

3,06*** (1,44–6,52)

1,96** (1,03–3,72)

2,71*** (1,40–5,25)

Tabela 4

Característica

n (%)

Razão de probabilidades para mortalidade em 30 dias (IC)

Razão de probabilidades para mortalidade em 90 dias (IC)

Razão de probabilidades para incidência de complicação (IC)

Idade (anos)

 < 70

157

Ref.

Ref.

Ref.

 ≥ 70

48

2,73** (1,20–6,20)

2,06* (0,98–4,36)

3,15*** (1,51–6,59)

Comorbidades

 Ausente

140

Ref.

Ref.

Ref.

 Presente

65

2,33** (1,07–5,07)

2,60*** (1,33–5,12)

2,37** (1,21–4,65)

Tumor primário de progressão lenta

 Sim

124

Ref.

Ref.

Ref.

 Não

81

2,56** (1,17–5,62)

4,30**** (2,23–8,30)

3,07*** (1,56–6,04)

Leucócitos (µL)

 < 13.000

165

Ref.

Ref.

Ref.

 ≥ 13.000

40

––

2,94** (1,29–6,70)

––

Linfócitos (µL)

 ≥ 1.000

154

Ref.

Ref.

Ref.

 < 1.000

51

3,07*** (1,37–6,87)

2,19** (1,06–4,51)

2,84*** (1,37–5,85)


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Modelo Preditivo

Na [Tabela 4], estão explicitados os fatores de risco independentes para a ocorrência dos desfechos desta pesquisa. Aqueles que apresentaram significância estatística para os três desfechos foram incluídos no MP, que está ilustrado no [Quadro 2].

Quadro 2

Fatores de risco

Fatores presentes

Categoria de risco

• Presença de pelo menos uma comorbidade

• Tumor primário de progressão não lenta

• Contagem total de linfócitos no sangue periférico abaixo de 1.000 células/µL

0

Baixo

1

Moderado

2

Alto

3

Extremo

As [Figuras 1], [2] e [3] mostram as curvas de sobrevida em 90 dias de pós-operatório, de acordo com as características utilizadas para desenvolver o MP final. A exposição a nenhum, um, dois ou três fatores foi o critério que definiu as categorias de baixo, moderado, alto e extremo risco, respectivamente. A [Figura 4] ilustra a incidência de morbimortalidade precoce de acordo com cada categoria de risco do MP. A [Figura 5] mostra a sobrevida em 90 dias de pós-operatório, de acordo com as 4 categorias de risco. Comparando-se as categorias do menor para o maior risco, houve aumento progressivo na ocorrência dos desfechos, seguindo tendência linear (p < 0,0001). O mesmo ocorreu quando analisadas as complicações sistêmicas (p < 0,0001), infecciosas (p < 0,0001), óbito por complicação (p < 0,0001), óbito por complicação infecciosa (p < 0,0001) e infecção de ferida operatória (p < 0,05). A capacidade de discriminação do modelo, segundo a curva COR, foi de 72% para mortalidade em 30 dias, de 73% para mortalidade em 90 dias, e de 70% para incidência de complicações. Não houve evidência de falta de calibração pelo teste de Hosmer-Lemeshow.

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Fig. 1 Sobrevida em 90 dias de pós-operatório de acordo com a presença de comorbidades.
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Fig. 2 Sobrevida em 90 dias de pós-operatório de acordo com a velocidade de progressão tumoral.
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Fig. 3 Sobrevida em 90 dias de pós-operatório de acordo com a contagem pré-operatória de linfócitos no sangue periférico.
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Fig. 4 Morbimortalidade precoce após tratamento cirúrgico para metástase vertebral, de acordo com o modelo preditivo (MP) proposto.
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Fig. 5 Sobrevida em 90 dias de pós-operatório de acordo com o modelo preditivo (MP) proposto.

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Discussão

As complicações da DMV em relação a desfechos cirúrgicos desfavoráveis, incluindo o óbito, que é o pior deles, em nada se comparam às obtidas no tratamento cirúrgico da maioria das doenças ortopédicas. Na cirurgia da DMV, a mortalidade em 90 dias é importante, e a maioria dos autores concorda que esse intervalo de tempo seja o mínimo previsto para se indicar um procedimento altamente mórbido e paliativo.[19] No entanto, há poucos estudos que abordam esse ponto de corte na sobrevida pós-operatória.[20]

Supõe-se que características clínicas pré-operatórias exerçam maior influência nos resultados cirúrgicos precoces quando comparados com resultados de longo prazo. Os MPs tradicionais, como o sistema de pontuação de Tokuhashi,[21] focam mais em características que se mostram associadas a resultados cirúrgicos de médio e longo prazo, como a presença de metástases viscerais. Talvez por isso, o escore de Tokuhashi só estime eventos a partir de 180 dias do procedimento. Mais recentemente, Schoenfeld et al[20] apontam o nível sérico de albumina como um forte fator de risco para mortalidade em 30 dias, superando até mesmo a velocidade de progressão tumoral. O presente estudo, com a esperança de identificar fatores prognósticos mais significativos, e que possam alterar positivamente os desfechos em até três meses do procedimento, avalia algumas características clínicas menos valorizadas em estudos prévios, tais como os índices de comorbidades e a contagem celular no sangue periférico.

Os índices de comorbidades são abordados em raras pesquisas sobre DMV. Patil et al[1] relatam risco aumentado em 50% de complicações da cirurgia em DMV em pacientes que apresentam duas comorbidades, de acordo com as citadas por Elixhauser et al.[13] Arrigo et al[22] observam risco aumentado em até cinco vezes em pacientes com duas ou mais comorbidades citadas por Charlson et al.[12] O presente trabalho mostra que a presença de pelo menos uma comorbidade entre aquelas obtidas pela união das citadas por Charlson et al[12] e Elixhauser et al[13] representa um fator de risco independente para morbimortalidade precoce após cirurgia em metástase vertebral. Esse é um fator de risco não relatado anteriormente na literatura.

A linfocitopenia secundária pode ter diversas etiologias, entre elas desnutrição, infecção, uso de corticosteroides, radioterapia e quimioterapia. Essas condições são frequentes na DMV. A linfocitopenia reduz a ação dos linfócitos B, T e dos exterminadores naturais contra bactérias, vírus e fungos, deixando o organismo suscetível a infecções locais ou à distância. O zinco e algumas vitaminas têm um papel na maturação celular, e a sua carência pode explicar em parte a linfocitopenia apresentada pelos pacientes desnutridos.[23] Embora a baixa contagem de linfócitos seja um antigo marcador nutricional[24] e um conhecido fator de mau prognóstico no câncer,[25] surpreendentemente, a revisão da literatura não mostra a linfocitopenia pré-operatória como fator de risco para cirurgia em DMV. Os trabalhos revisados utilizam ponto de corte diferente para contagem celular (1.500/µL), o que pode explicar os achados conflitantes.[5] [26] Por outro lado, na atual pesquisa, a contagem total de linfócitos < 1.000/µL se mostrou um forte fator de risco. A presença deste dado representa um fator de aumento significativo na ocorrência precoce de complicações e óbito. Ele esteve relacionado a um risco aumentado em quase cinco vezes para a ocorrência de óbito advindo de complicação infecciosa. Nesta série, uma paciente com contagem total de linfócitos pré-operatória de 245/µL foi a óbito em decorrência de sepse por Candida sp, um raro agente causador de infecção sistêmica.

Estudos prévios apontaram que pacientes idosos apresentam piores resultados cirúrgicos em DMV.[26] [27] Neste estudo, identificou-se que indivíduos com 70 anos ou mais têm risco aumentado em 2,73 vezes de mortalidade em 30 dias; em 3,15 vezes de complicações totais; em 2,44 vezes de complicações sistêmicas; em 2,82 vezes de complicações infecciosas; em 3,35 vezes na incidência de óbito por complicação; e em 2,61 vezes na incidência de óbito por complicação infecciosa. No entanto, por falhar na previsão de mortalidade em 90 dias, essa característica foi excluída do MP final.

Não surpreendem os resultados encontrados sobre a influência da agressividade do tumor primário em relação à incidência de complicações e à mortalidade em 30 e 90 dias da cirurgia. Diversos estudos pregressos relatam pior prognóstico em grupos de pacientes portadores de tumores com tipos histológicos mais agressivos.[26]

Neste trabalho, foi proposto um MP para estimar morbimortalidade precoce em DMV que leva em consideração não somente a agressividade do tumor primário, como também a condição sistêmica do paciente ([Quadro 2]). Laufer et al,[28] em seu algoritmo para conduta, afirmam que a condição sistêmica do paciente é fator decisivo na tomada de decisão cirúrgica. No entanto, nenhum dos muitos MPs existentes na literatura considera a presença de comorbidades e a capacidade imunológica do paciente.[11] Apenas Ghori et al[29] fazem referência à influência no estado nutricional analisando a albumina sérica, e sugerem esse fator como uma possível ferramenta estimadora de complicações.

O MP proposto estima, por categoria, a ocorrência de eventos desfavoráveis em 90 dias da cirurgia. Neste trabalho, os pacientes de baixo risco apresentaram as menores taxas de morbimortalidade pós-operatória, enquanto os pacientes na categoria de extremo risco apresentaram os piores resultados ([Figuras 4] e [5]). Pesquisas futuras poderiam esclarecer se este MP é útil para orientar a decisão terapêutica. Acredita-se que, devido à simplicidade de aplicação, este MP poderia ser uma das primeiras ferramentas utilizadas na avaliação do paciente com DMV.

Esta pesquisa tem diversas limitações, e, sem dúvida, necessita validação futura, principalmente em relação aos resultados do MP. Pelo desenho retrospectivo, pode ter ocorrido viés de seleção, de aferição e de suscetibilidade. Os resultados podem não ser generalizáveis pelo fato de o estudo ter sido realizado em uma única instituição e sobre uma amostra tipicamente heterogênea.


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Conclusões

Os fatores pré-operatórios que permitem predizer a morbimortalidade precoce em casos de DMV são: idade ≥ 70 anos; presença de pelo menos uma comorbidade de índice específico; tumor primário de progressão não lenta; leucócitos ≥e 13.000 células/µL; e contagem total de linfócitos < 1.000 células/µL. O MP proposto permite estimar a morbimortalidade da cirurgia na DMV e hierarquizar os riscos cirúrgicos em baixo, moderado, alto e extremo.


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Conflitos de Interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

* Trabalho desenvolvido no Hospital Erasto Gaertner pelo Programa de Pós-Graduação em Clínica Cirúrgica da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil.


  • Referências

  • 1 Patil CG, Lad SP, Santarelli J, Boakye M. National inpatient complications and outcomes after surgery for spinal metastasis from 1993-2002. Cancer 2007; 110 (03) 625-630
  • 2 Cohen J, Alan N, Zhou J, Kojo Hamilton D. The 100 most cited articles in metastatic spine disease. Neurosurg Focus 2016; 41 (02) E10
  • 3 Rades D, Huttenlocher S, Dunst J. , et al. Matched pair analysis comparing surgery followed by radiotherapy and radiotherapy alone for metastatic spinal cord compression. J Clin Oncol 2010; 28 (22) 3597-3604
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Endereço para correspondência

Pedro Reggiani Anzuatégui, MD, MSc
Rua Ari José Valle, 980, casa 16, 82030-025, Curitiba, PR
Brasil   

  • Referências

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Fig. 1 Sobrevida em 90 dias de pós-operatório de acordo com a presença de comorbidades.
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Fig. 2 Sobrevida em 90 dias de pós-operatório de acordo com a velocidade de progressão tumoral.
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Fig. 3 Sobrevida em 90 dias de pós-operatório de acordo com a contagem pré-operatória de linfócitos no sangue periférico.
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Fig. 4 Morbimortalidade precoce após tratamento cirúrgico para metástase vertebral, de acordo com o modelo preditivo (MP) proposto.
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Fig. 5 Sobrevida em 90 dias de pós-operatório de acordo com o modelo preditivo (MP) proposto.
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Fig. 1 Survival at 90 days postoperatively according to the presence of comorbidities.
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Fig. 2 Survival at 90 days postoperatively according to the velocity of tumor progression.
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Fig. 3 Survival at 90 days postoperatively according to the preoperative lymphocyte count in the peripheral blood.
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Fig. 4 Early morbidity and mortality after surgical treatment for vertebral metastasis, according to the proposed predictive model (PM).
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Fig. 5 Survival at 90 days postoperatively according to the proposed predictive model (PM).