Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia: Brazilian Neurosurgery 2015; 34(01): 044-048
DOI: 10.1055/s-0035-1547382
Review Article | Artigo de Revisão
Thieme Publicações Ltda Rio de Janeiro, Brazil

Radioterapia no tratamento das metástases cerebrais

Radiotherapy at Brain Metastasis Treatment
Rejane Carolina de Oliveira Franco
1   Médico Residente em Radioterapia no Hospital Erasto Gaertner, Curitiba, PR, Brasil
,
Patricia Mineiro de Oliveira
1   Médico Residente em Radioterapia no Hospital Erasto Gaertner, Curitiba, PR, Brasil
,
Cintia Maçãs Soares
1   Médico Residente em Radioterapia no Hospital Erasto Gaertner, Curitiba, PR, Brasil
,
Marcio Umeda Takashima
1   Médico Residente em Radioterapia no Hospital Erasto Gaertner, Curitiba, PR, Brasil
› Author Affiliations
Further Information

Endereço para correspondência

Rejane Carolina de Oliveira Franco, MR
Setor de Radioterapia. Rua Doutor Ovande do Amaral
201, Curitiba, PR
Brasil   
Email: recarol@mps.com.br   
Hospital Erasto Gaertner, Curitiba, PR, Brasil

Publication History

03 February 2014

01 November 2014

Publication Date:
29 April 2015 (online)

 

Resumo

As metástases cerebrais representam o tumor mais comum do sistema nervoso central, superando substancialmente a incidência de tumores cerebrais primários. Estima-se que 20–40% dos pacientes oncológicos vão apresentar tal diagnóstico ao longo de sua evolução, com consequente piora da qualidade de vida e do prognóstico, sendo consideradas, portanto, problema de saúde pública. Uma vez feito o diagnóstico, o tratamento é composto por medidas sintomáticas e/ou medidas específicas. Entre as medidas específicas, listam-se: radioterapia, neurocirurgia e quimioterapia. Com o objetivo de elucidar o manejo radioterápico das metástases cerebrais e sua devida importância é que propomos esta revisão sobre o assunto.


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Abstract

Brain metastasis represent the most common Central Nervous System tumor, much more frequent than primary brain tumors. It is estimated that 20–40% of oncologic patients will present this diagnosis during their disease progression, with decreased quality of life and worse prognosis, therefore it can be considered a public health problem. Once the diagnostic has been done, the treatment will be composed by symptomatics measures and/or specialized treatments, which can be listed: radiotherapy, neurosurgery and chemotherapy. This article aim to study brain metastasis radiotherapy treatment and its important role.


#

Introdução

Clinicamente, a metástase cerebral (MC) manifesta-se como sintomas neurológicos relacionados com a área cerebral acometida. Geralmente, causa grande efeito de massa e aumento da pressão intracraniana, cursando com cefaleia, náuseas e vômitos, papiledema, convulsões e alterações neurológicas focais. O diagnóstico de metástase cerebral deve ser suspeitado em todo paciente com diagnóstico prévio de neoplasia e que passe a apresentar tais sintomas.

A ressonância magnética contrastada constitui-se exame diagnóstico padrão-ouro. O diagnóstico por imagem na maioria das vezes documenta lesão na transição entre as regiões cortical e subcortical do parênquima cerebral de formato arredondado, e em 70% dos casos há mais de uma lesão intracraniana.[1] Em 80% dos casos, a lesão localiza-se no hemisfério cerebral; em 15%, no cerebelo; e em 5%, no tronco cerebral.

A necessidade de confirmação diagnóstica histopatológica fica reservada para quando a origem do tumor primário for desconhecida ou quando as imagens não forem conclusivas para fechar o diagnóstico de metástase.[2]

A confirmação diagnóstica desta entidade implica em alteração do objetivo de tratamento, pois trata-se de condição irreversível, tornando o tratamento paliativo.

Apesar do prognóstico reservado, alguns pacientes têm maior sobrevida do que outros, a depender de alguns fatores prognósticos. Esses fatores como idade, performance clínica, presença de metástases extracranianas, número e volume das metástases cerebrais e status da atividade do tumor primário constituem diferentes índices prognósticos, cuja importância é estratificar o paciente para definição da melhor conduta.[3]

Entre os índices prognósticos, destacam-se o Recursive Partitioning Analysis (RPA),[4] o Score Index for Brain Metastases Radiosurgery (SIR)[5] e o Graded Prognostic Assessment (GPA).[6]

O RPA divide os pacientes em três classes com prognósticos declinantes. Através dele, todo paciente com KPS < 70, independentemente de outros fatores, já se enquadra na Classe 3 ([Tabela 1]).

Tabela 1

Análise de particionamento recursivo (recursive partitioning analysis)

RPA classe 1

Sobrevida média (meses)

KPS ≥ 70, idade < 65 anos, tumor primário controlado, sem doença extracraniana

7,1

Metástase única

13,5

Múltiplas metástases

6

RPA classe 2

KPS ≥ 70 e um ou mais dos seguintes: idade ≥ 65 anos, tumor primário não controlado, presença de doença extracraniana

4,2

Metástase única

8,1

Múltiplas metástases

4,1

RPA classe 3

KPS < 70

2,3

O SIR leva em consideração fatores como: idade, KPS, status sistêmico da doença, número de metástases cerebrais e volume da maior lesão cerebral. Para cada um desses fatores citados, existe uma classificação de 0 a 2, que somadas podem alcançar um valor de 0 a 10 ([Tabela 2]).

Tabela 2

Índice de pontuação para radiocirurgia

0

1

2

Idade (anos)

≥ 60

51–59

≤ 50

KPS

< 50

60–70

> 70

Nível da doença sistêmica

Doença em progressão

Remissão parcial ou estável

Remissão completa ou sem evidência de doença

Volume da maior lesão cerebral (cm3)

> 15

5–15

< 5

Número de lesões cerebrais

≥ 3

2

1

Pontuação entre 1 e 3 apresenta sobrevida média de 2,9 meses; pontuação entre 4 e 7, sobrevida média de 7 meses; e pontuação entre 8 e 10, sobrevida média de 31,4 meses.

Mais recentemente, houve a publicação do GPA ([Tabela 3]) que, como o SIR, atribui notas às variáveis: KPS, idade, número de metástases cerebrais e presença de metástases extracranianas. A não inclusão de fatores de importância prognóstica, como o volume da maior metástase cerebral e resposta da doença extracraniana ao tratamento sistêmico, constitui crítica a este índice, apesar de ele ainda mostrar maior acurácia que o RPA.[6] [7]

Tabela 3

Avaliação do grau prognóstico

0

0,5

1

KPS

< 70

70–80

90–100

Idade (anos)

> 60

50–59

< 50

Estado da doença extracraniana

Presente

Ausente

Número de lesões metastáticas

> 3

2–3

1


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Tratamento

Inicialmente, as metástases cerebrais merecem tratamento sintomático farmacológico com corticosteroides a fim de diminuir o edema peritumoral com boa resposta clínica e sintomática. Anticonvulsivantes não são empregados compulsoriamente, mesmo que a lesão se encontre em área epileptogênica, com indicação reservada apenas para os casos de ocorrência de crises convulsivas.[8]

Em relação aos tratamentos específicos, radioterapia de crânio total (RCT) é a forma mais comum de tratamento, proporcionando aumento de sobrevida e melhora da função neurológica quando comparada ao tratamento suportivo exclusivo.[9] Sua principal vantagem é tratar todas as lesões cerebrais ao mesmo tempo, tanto as lesões visíveis quanto os demais focos que podem estar presentes mesmo sem terem sido diagnosticados em exame de imagem. Os pacientes tratados apenas sintomaticamente têm sobrevida de 1 a 3 meses, que se altera para 3 a 6 meses após a radioterapia de crânio total.[10] A técnica utilizada será de campos paralelos opostos com angulação do feixe para evitar irradiação do cristalino contralateral, devendo estar a fossa craniana anterior, fossa média e fossa posterior do crânio sempre incluídas no campo de tratamento.

Quanto à dose administrada, é recomendado utilizar esquemas de 30Gy em 10 frações diárias, 5 dias por semana (BED = 39Gy).[11] Esquemas hipofracionados, como 5 frações de 4Gy, devem ser indicados com cautela devido ao potencial risco de sequelas neurocognitivas nos pacientes que sobrevivam a longo prazo.[12]

Concluiu-se em revisão sistemática da literatura[13] que o escalonamento da dose total ou a mudança do fracionamento não impactam na sobrevida, no controle local, nem na evolução neurocognitiva dos pacientes quando comparados ao esquema de 30Gy em 10 frações; além disso, não há evidências de que a mudança de dose total ou fracionamento possam beneficiar algum tipo histológico em especial. Atualmente, não há estudo com nível I de evidência que recomende esquemas protraídos de radioterapia de crânio total ou maiores doses de radiocirurgia em metástases de tipo histológico tido como mais radiorresistentes (melanoma, carcinoma de célula renal).[14]

Fracionamentos acelerados não demonstraram benefício, como ficou documentado por revisão de Cochrane,[15] em termos de sobrevida, função neurológica ou controle dos sintomas quando comparados ao fracionamento padrão consagrado de 30Gy em 10 frações.

A radioterapia de crânio total também pode ser indicada após neurocirurgia ou radiocirurgia.[16]

Para pacientes selecionados com bom performance status (KPS > 70), doença extracraniana limitada e metástase cerebral ressecável está indicada ressecção cirúrgica, que possibilita melhor taxa de sobrevida.[14]

Diversos estudos randomizados[17] demonstraram que radioterapia adjuvante à neurocirurgia traz melhor função neurológica e menor recorrência local quando comparada a cada modalidade terapêutica isolada. O tratamento combinado também proporciona maior tempo de independência funcional.

Em estudo fase III, Patchel et al.[18] demonstraram que a omissão de RCT em pacientes operados de metástase cerebral única eleva o risco de recidiva no sítio original ou à distância no encéfalo de 46% para 70%, porém sem ganho de sobrevida nos pacientes irradiados.

Com relação à radioterapia de crânio total após radiocirurgia, Aoyama et al.[19] avaliaram pacientes com uma a quatro lesões cerebrais randomizados a receber ou não RCT. Eles concluíram que a omissão da RCT não afeta a sobrevida, mas piora o controle da doença no SNC de forma significativa, tanto no local tratado como à distância no encéfalo.

A radiocirurgia está indicada para pacientes com diagnóstico de 1 a 3 lesões intracranianas e com volume determinado: lesões com mais de 30 cm cúbicos não são bons alvos para a radiocirurgia pela predisposição de irradiação com doses elevadas nos tecidos periféricos sadios.[20]

A radiocirurgia é uma técnica de radioterapia na qual, utilizando um sistema de estereotaxia preciso para a localização do tratamento, aplica-se uma dose única elevada de radiação a um alvo intracraniano, com abrupto decaimento de dose em tecidos periféricos. Para lesões menores que 3,5 cm em sua maior dimensão, estudos retrospectivos confirmaram que radiocirurgia estereotática é comparável à neurocirurgia em termos de controle local.[21]

A dose máxima tolerada é inversamente proporcional ao diâmetro da lesão, sendo preconizado pelo protocolo 90–05 da Radiation Therapy Oncology Group (RTOG) dose de 24Gy para lesões com até 2 cm de diâmetro, 18Gy para lesões entre 2 e 3 cm de diâmetro e de 15Gy para lesões entre 3 e 4 cm.[22] Doses mais elevadas parecem não aumentar a chance de controle local, sendo sugerido que doses superiores a 20Gy não aumentem o controle local, com aumento da toxicidade.[23]

O papel da radiocirurgia como reforço de dose em metástases cerebrais após radioterapia de crânio total (RCT) ficou estabelecido pelo estudo RTOG 95–08[10] com aumento de sobrevida e melhora na qualidade de vida dos pacientes que receberam reforço com radiocirurgia em comparação aos pacientes tratados apenas com radioterapia de crânio total. Em pacientes com múltiplas metástases, não há benefício na sobrevida em se adicionar o boost com radiocirurgia com o mesmo benefício demonstrado aos pacientes com pequeno número de metástases.[24]

Em pacientes oligometastáticos no SNC, existe a opção de tratamento exclusivo com radiocirurgia, sem radioterapia de crânio total adjuvante, sendo a RCT reservada para o resgate em caso de aparecimento de novas metástases. A sobrevida global não foi comprometida com a omissão de RCT, apesar do menor controle intracraniano, conforme estudo publicado pela ASTRO (American Society for Radiation Oncology).[23] Sneed et al.[25] demonstraram que o risco de falha local no SNC foi maior nos pacientes que receberam radiocirurgia exclusiva, mas o seu resgate com RCT proporcionou um controle final equivalente aos pacientes que receberam RCT adjuvante inicialmente. Existe estudo randomizado único[26] que sugere que a omissão de RCT após a radiocirurgia está associada a melhor status neurocognitivo.

As complicações da radiocirurgia incluem edema cerebral na fase aguda, convulsões nas primeiras 24 a 48 horas descritas em 2 a 6% dos casos e radionecrose tardia em 2 a 6% dos casos.[5]

Outra possibilidade de tratamento seria a ressecção cirúrgica seguida de terapia local (GliaSite, Radiation Therapy System) ou radiocirurgia pós-operatória em leito operatório, que podem ser recomendadas para pacientes selecionados com metástase cerebral única. A eficácia da braquiterapia GliaSite prescrita a 1 cm de profundidade com 60Gy após ressecção de metástase cerebral única foi investigada em estudo prospectivo fase II multi-institucional.[27] A taxa de controle local, sobrevida média e tempo de independência funcional foi semelhante à dos pacientes submetidos à neurocirurgia seguida de RCT.

O efeito do tratamento local com radiocirurgia em leito operatório após neurocirurgia foi demonstrado em série retrospectiva da Universidade de Standford, com 79% de controle local em 12 meses, sendo favorável aos resultados históricos de controle local de 54% no grupo observacional e semelhante à taxa de 80–90% no grupo de RCT pós-cirúrgico.[28] O racional em indicar a radioterapia restrita ao leito cirúrgico em detrimento da RCT adjuvante é de obter a mesma taxa de sobrevida, mas com menores índices de distúrbios neurocognitivos intrínsecos à irradiação de crânio total, deixando a RCT reservada para casos de recorrência cerebral. Porém, devido à escassez de estudos randomizados, não se sabe se a omissão de RCT reduz os índices de distúrbios neurocognitivos, uma vez que a recorrência à distância no encéfalo pode ser mais prejudicial em termos de neurocognição do que a própria radioterapia de crânio total adjuvante.[25]


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Considerações Finais

Dentre as diversas possibilidades de manejo dos pacientes metastáticos no Sistema Nervoso Central, a radioterapia exerce importante papel no tratamento paliativo desses pacientes.

Há 30 anos as opções de tratamento eram limitadas ao uso de corticosteroides, radioterapia de crânio total e raramente a ressecção cirúrgica.

Atualmente, as opções terapêuticas estenderam-se também à radiocirurgia e neurocirurgia em casos de pacientes selecionados.

A conduta terapêutica mais apropriada depende de diversos fatores relacionados ao paciente (idade, performance status), ao tumor (atividade da doença extracraniana, número de metástases cerebrais, localização e tipo histológico das metástases), bem como às modalidades terapêuticas disponíveis (neurocirurgiões capacitados e centros com radiocirurgia disponível).

As particularidades de cada modalidade terapêutica evoluem lentamente, porém objetivam melhor qualidade de vida para o paciente em sua fase terminal e quando possível o aumento de sua sobrevida, mesmo que por curto intervalo de tempo.


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