CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2020; 55(05): 649-652
DOI: 10.1016/j.rboe.2017.10.010
Relato de Caso
Ortopedia Pediátrica

Espondilectomia para sarcoma lombar primário de Ewing em crianças[*]

Article in several languages: português | English
1   Department of Orthopedic Surgery, Unidade Local de Saúde do Alto Minho, Viana do Castelo, Portugal
,
Luísa Vital
2   Department of Orthopedic Surgery, Hospital de São João, Faculdade de Medicina, Universidade do Porto, Porto, Porto, Portugal
,
Francisco Serdoura
2   Department of Orthopedic Surgery, Hospital de São João, Faculdade de Medicina, Universidade do Porto, Porto, Porto, Portugal
,
André Rodrigues Pinho
2   Department of Orthopedic Surgery, Hospital de São João, Faculdade de Medicina, Universidade do Porto, Porto, Porto, Portugal
,
Vitorino Veludo
2   Department of Orthopedic Surgery, Hospital de São João, Faculdade de Medicina, Universidade do Porto, Porto, Porto, Portugal
› Author Affiliations
 

Resumo

O sarcoma de Ewing da coluna vertebral é raro, e seu tratamento é multidisciplinar. Não há consenso sobre o método ideal de controle local do tumor; no entanto, a ressecção em bloco com margens negativas está associada a uma melhora da sobrevida. Os autores relatam um caso de uma paciente de 5 anos do sexo feminino que inicialmente se apresentou com dor lombar, tendo sido diagnosticada com sarcoma de Ewing de acordo com o estudo imagiológico por radiografia, ressonância magnética e biópsia óssea. A paciente foi submetida a vertebrectomia após quimioterapia, de acordo com o protocolo Euro Ewing. Aos três anos de seguimento, não apresentou restrições nas atividades da vida diária, e, até o momento, não houve evidência de recidiva.


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Introdução

O sarcoma de Ewing foi descrito pela primeira vez por James Ewing em 1921, e é o segundo tumor ósseo maligno mais frequente em crianças, representando 3% dos tumores pediátricos e 10% dos tumores ósseos primários.[1] O tumor normalmente acomete os ossos longos (em especial o fêmur) e a pelve.[2] [3] [4] O acometimento primário da coluna é raro, com incidência relatada de 5% de todos os sítios primários.[2] [3]

Os sintomas mais comuns do sarcoma de Ewing são a dor localizada e o comprometimento neurológico, variando de radiculopatia a paraplegia.[1] [5] [6]

As técnicas de diagnóstico por imagem geralmente revelam destruição agressiva do corpo vertebral; a maioria dos pacientes apresenta uma massa extraóssea de tecido mole com invasão direta das estruturas adjacentes. A ressonância magnética (RM) é o método de escolha para o estudo detalhado do envolvimento paravertebral.[1] [5]

O tratamento cirúrgico ainda é desafiador. A ressecção em bloco geralmente é realizada, e está diretamente relacionada ao prognóstico.[2] [7]

Nas últimas três décadas, a abordagem multidisciplinar e o tratamento combinado à quimioterapia e radioterapia contribuíram para a melhora da sobrevida desses pacientes.[5] [7]


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Relato de Caso

Uma menina de 5 anos foi atendida no Serviço de Emergência Pediátrica com dor lombar e abdominal, predominantemente à noite. Seus sintomas começaram um mês antes da consulta, com dor lombar progressiva e exacerbação nas últimas duas semanas. A dor não respondeu aos analgésicos. Os resultados do exame físico e dos exames laboratoriais não eram dignos de nota.

Uma radiografia da coluna lombar foi realizada na admissão, e revelou uma lesão lítica centrada em L1 ([Fig. 1]). Uma ressonância magnética (RM) subsequente mostrou o colapso parcial do corpo vertebral de L1 devido a uma lesão infiltrativa com acometimento principalmente da metade posterior direita do corpo vertebral e do pedículo ipsilateral, associado a uma grande massa extraóssea de tecido mole com extensão intracanalar ([Fig. 2]). As imagens sugeriram um processo agressivo. A paciente foi submetida a uma biópsia óssea de L1, e as características morfológicas e imunofenotípicas, à análise histológica, foram condizentes com um sarcoma de Ewing/tumor neuroectodérmico primitivo (PNET). A tomografia computadorizada (TC) de estadiamento não revelou a presença de metástases distantes.

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Fig. 1 A radiografia da coluna lombar (projeção anteroposterior e lateral) que identificou a lesão lítica em L1.
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Fig. 2 Sequência de ressonância magnética ponderada em T2 com contraste da coluna lombar. Colapso de L1 por componente infiltrativo lítico com acometimento da metade posterior direita do corpo vertebral e da região pedicular ipsilateral, além de extensos componentes intracanalar e extramedular de tecido mole (Tomita et al.[12] tipo 4).

Após a quimioterapia, realizada de acordo com o protocolo Euro Ewing, a paciente foi submetida ao tratamento cirúrgico. A espondilectomia foi realizada em dois estágios sob neuromonitoramento da medula espinhal por meio de potenciais evocados somatossensoriais e motores. Na primeira parte do procedimento, realizamos uma fixação pedicular de D11-L3 e a excisão dos elementos posteriores e pedículos de L1 por abordagem posterior. Em um segundo estágio, a corpectomia anterior e a reconstrução utilizando uma gaiola Medtronic (Mineápolis, MN, EUA) preenchida com enxerto ilíaco autólogo foi realizada por meio de uma abordagem anterior ([Fig. 3]).

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Fig. 3 Imagens intraoperatórias: à esquerda, após a espondilectomia; à direita, reconstrução anterior com gaiola.

A paciente recebeu alta hospitalar 13 dias após a cirurgia, sem déficit neurológico. De acordo com o protocolo, continuou o tratamento adjuvante com quimioterapia e radioterapia por seis meses. Na primeira consulta de acompanhamento, apresentou retardo na cicatrização da ferida operatória com necrose das bordas, e houve necessidade de cuidados prolongados com curativos por quatro semanas. Não houve complicações com a instrumentação ([Fig. 4]).

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Fig. 4 Radiografia da coluna lombar (projeção anteroposterior e lateral) em um mês de acompanhamento.

Durante um período de três anos de acompanhamento, a paciente não apresentou restrições às atividades diárias e, até o momento, não houve evidências de recidiva. Uma TC de acompanhamento revelou fusão dos níveis instrumentados ([Fig. 5]).

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Fig. 5 A tomografia computadorizada realizada três anos após a espondilectomia mostra o crescimento ósseo pela gaiola.

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Discussão

A coluna é frequentemente acometida em casos de sarcoma de Ewing metastático. No entanto, o sarcoma primário de Ewing na coluna é raro.[4] Os achados de imagem são variáveis, mas a lesão lítica destrutiva com colapso parcial do corpo vertebral é o quadro mais comum.[7] [8] Manifestações sistêmicas, como febre e perda de peso, acompanhadas por leucocitose e aumento da sedimentação eritrocitária, podem ser observadas.[1] [7] Devido à variabilidade das características de imagem e ao fenótipo variável, o diagnóstico diferencial inclui infecção, neuroblastoma, granuloma eosinofílico e cisto ósseo aneurismático.[7] A RM é fundamental na avaliação da extensão tumoral e no planejamento pré-operatório.[1] [4] [8]

O tratamento do sarcoma de Ewing é multidisciplinar. A maioria dos pacientes com diagnóstico inicial de doença localizada posteriormente apresenta micrometástases sistêmicas, o que enfatiza a necessidade de tratamento adjuvante em todos os indivíduos após o controle cirúrgico do tumor local.[1] Marco et al.[3] mostraram a maior incidência de recidiva tumoral e a menor taxa de sobrevida em pacientes tratados somente com quimioterapia e radioterapia em comparação aos resultados relatados por autores que realizaram a cirurgia agressiva. Por isso, a ressecção cirúrgica agressiva parece melhorar o prognóstico.[3]

A classificação de Tomita et al.,[12] baseada na localização anatômica dos tumores nos planos axial e sagital, orienta o tratamento cirúrgico. Neste caso, o tumor foi classificado como de tipo 4, e o tratamento cirúrgico indicado foi a espondilectomia.[8]

Ainda não há consenso sobre o método ideal de controle local do tumor. Atualmente, a ressecção em bloco com margens negativas é aceita como o tratamento ideal desses sarcomas, e está associada a uma melhora nas taxas de sobrevida.[3] [7] [9] Uma revisão sistemática publicada por Sciubba et al.[10] sugere que a ressecção cirúrgica agressiva está associada à melhora na taxa de sobrevida geral e no controle local.[10]

O objetivo da ressecção vertebral em bloco é permitir a retirada completa do tumor com margens livres e diminuir a probabilidade de recidiva.[5] [11] Tomita et al.[12] não relataram recidiva local em um total de 23 pacientes submetidos a ressecção vertebral em bloco.[12]

Diferentes técnicas de ressecção em bloco foram descritas na literatura, como a técnica posterior ou as abordagens combinadas posterior e anterior.[11] No entanto, a ressecção em bloco nem sempre é possível devido à proximidade do tumor com as estruturas nervosas.

No caso aqui descrito, os autores preferiram uma abordagem em dois estágios. A abordagem posterior permitiu a estabilização de dois níveis vertebrais acima e abaixo de L1 com parafusos pediculares, e a ressecção dos elementos posteriores de L1 com descompressão medular e liberação das raízes nervosas D12 e L1. No segundo estágio, mediante uma abordagem anterior, o corpo vertebral e a parte restante do pedículo foram removidos juntamente com discectomias completas de D12-L1 e L1-L2, com melhor controle local dos grandes vasos e vísceras adjacentes. Esta abordagem também permitiu a reconstrução da coluna anterior com uma gaiola expansível. Em um estudo biomecânico, Oda et al.[13] descreveram que a instrumentação pedicular posterior associada à reconstrução anterior com gaiola proporcionou melhor estabilidade após espondilectomia.[13]

Como complicação, nossa paciente apresentou necrose das bordas da ferida cirúrgica, que já foi descrita por outros autores.[11] [14] Outras complicações frequentes descritas na literatura são problemas dos dispositivos metálicos, pseudoartrose ou infecção.[11]

Em conclusão, o sarcoma primário de Ewing na coluna é raro. O tratamento dessas lesões ainda é um desafio, mas a ressecção em bloco do tumor seguida de tratamento adjuvante com radioterapia e quimioterapia está associada a um melhor prognóstico.


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Conflict of Interests

The authors have no conflict of interests to declare.

* Estudo conduzido no Departamento de Cirurgia Ortopédica, Hospital de São João, Faculdade de Medicina, Universidade do Porto, Porto, Portugal. Originalmente Publicado por Elsevier Editora Ltda.


  • Referências

  • 1 Maheshwari AV, Cheng EY. Ewing sarcoma family of tumors. J Am Acad Orthop Surg 2010; 18 (02) 94-107
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  • 3 Marco RA, Gentry JB, Rhines LD. et al. Ewing's sarcoma of the mobile spine. Spine 2005; 30 (07) 769-773
  • 4 Feng H, Wang J, Guo P, Xu J, Feng J. Revision surgical treatment of a second lumbar Ewing Sarcoma: a report of a rare case. Medicine (Baltimore) 2015; 94 (30) e1190
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  • 12 Tomita K, Kawahara N, Baba H, Tsuchiya H, Fujita T, Toribatake Y. Total en bloc spondylectomy. A new surgical technique for primary malignant vertebral tumors. Spine 1997; 22 (03) 324-333
  • 13 Oda I, Cunningham BW, Abumi K, Kaneda K, McAfee PC. The stability of reconstruction methods after thoracolumbar total spondylectomy. An in vitro investigation. Spine 1999; 24 (16) 1634-1638
  • 14 Krepler P, Windhager R, Bretschneider W, Toma CD, Kotz R. Total vertebrectomy for primary malignant tumours of the spine. J Bone Joint Surg Br 2002; 84 (05) 712-715

Address for correspondence

Carolina Oliveira
Departmento de Cirurgia Ortopédica
Unidade Local de Saúde do Alto Minho, Viana do Castelo
Portugal   

Publication History

Received: 06 September 2017

Accepted: 19 October 2017

Article published online:
03 February 2020

© 2020. The Author(s). This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution-NonDerivative-NonCommercial-License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit. Contents may not be used for commercial purposes, or adapted, remixed, transformed or built upon. (https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/).

Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. Published by Thieme Revinter Publicações Ltda
Rio de Janeiro, Brazil

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Fig. 1 A radiografia da coluna lombar (projeção anteroposterior e lateral) que identificou a lesão lítica em L1.
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Fig. 2 Sequência de ressonância magnética ponderada em T2 com contraste da coluna lombar. Colapso de L1 por componente infiltrativo lítico com acometimento da metade posterior direita do corpo vertebral e da região pedicular ipsilateral, além de extensos componentes intracanalar e extramedular de tecido mole (Tomita et al.[12] tipo 4).
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Fig. 3 Imagens intraoperatórias: à esquerda, após a espondilectomia; à direita, reconstrução anterior com gaiola.
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Fig. 4 Radiografia da coluna lombar (projeção anteroposterior e lateral) em um mês de acompanhamento.
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Fig. 5 A tomografia computadorizada realizada três anos após a espondilectomia mostra o crescimento ósseo pela gaiola.
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Fig. 1 The lumbar spine radiograph (anteroposterior and lateral views) that identified the lytic lesion in L1.
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Fig. 2 T2 contrast sequence of the magnetic resonance imaging scan of the lumbar spine. L1 collapse by a lytic infiltrative component involving the right posterior half of the vertebral body and the ipsilateral pedicle region, as well as marked intracanal and extramedullary soft tissue components (Tomita et al.[12] type 4).
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Fig. 3 Intraoperative pictures: left - after the spondylectomy; right - anterior reconstruction with cage.
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Fig. 4 Lumbar spine radiograph (anteroposterior and lateral views) after one month of follow-up.
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Fig. 5 Computed tomography scan 3 years postspondylectomy demonstrating bony growth through the cage.